Quem caminha pela avenida Sete de Setembro, quase esquina com a Getúlio Vargas, pode até não prestar atenção no belo e majestoso prédio naquele pedaço de rua, fechado há alguns anos, mas com muita história para contar. É o antigo cine Polytheama, que por mais de 60 anos foi um dos pontos de encontro dos manauaras amantes da sétima arte. Desde 1973 os projetores do cine apagaram suas luzes, em definitivo. EM 2012 COMPLETOU 100 ANOS
“O prédio foi inaugurado em 14 de julho de 1912 com o nome de Polytheama. Acredito que ninguém saiba o que significa essa palavra. Trata-se da junção de duas palavras do latim, que significam poly (muito) + theama (espetáculo)”, explicou Ed Lincon Barros, pesquisador das histórias dos cinemas de Manaus.
E claro que o Jornal do Commercio daquela data não poderia deixar o acontecimento ‘passar em branco’ com um anúncio recheado de curiosidades. Iniciava com ‘Hoje, domingo, 14 de julho de 1912, inauguração do cinema colosso com uma lotação para 1.300 pessoas’.
A Manaus de 1912 tinha menos de 100 mil habitantes e a economia não ia muito bem. No ano anterior a Amazônia perdera para a Ásia a hegemonia no comércio da borracha fazendo com que muitos empresários falissem e tantos outros, estrangeiros, fossem embora da cidade, ainda assim os irmãos piauienses Jonas e Raimundo Fontenelle ousaram inaugurando um espaço cultural com capacidade para mais de mil pessoas.
E o anúncio continua: ‘Espectáculo de gala offerecido a s. exa. o sr. coronel governador do Estado e digníssimas famílias amazonenses’. O então governador era o amazonense Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt (1908/1913). Em 1910, Antonio Bittencourt protagonizou um fato histórico ao ser deposto num golpe de Estado dado por seu vice Sá Peixoto, o que ocasionou no famoso bombardeio de Manaus, mas essa é outra história.
Em seguida, no anúncio do JC, o mais importante, o filme de estréia: ‘Jerusalem libertada – do imortal poema de Torquato Tasso – a maior, extraordinária e magnífica obra prima de arte cinematographica – 800 personagens – 300 cavalos – 100 quadros – divididas em três grandes partes’. Agora, é interessante. O filme era novíssimo, produzido no ano anterior.
Jerusalem Delivered (título original: (La) Gerusalemme liberata) é um filme italiano de 1911 dirigido por Enrico Guazzoni. Lógico, mudo (o primeiro filme falado é de 1927) e em preto e branco (o primeiro filme em cores é de 1939), é inspirado em Jerusalem Delivered, de Tasso. Foi o primeiro longa-metragem da casa italiana Cines. Levou cinco meses para ser rodado, nos estúdios Cines, na Via Appia Nuova, em Roma.
E segue o anúncio com as curiosidades: ‘Sessões contínuas de 7 às 11 h. da noite. Excellente orchestra sob a regencia do maestro E. BONI – A entrada será pela Avenida 13 de Maio – Preços: Frizas com 6 cadeiras. 6$. Camarotes com 5 cadeiras. 5$. Poltronas. 1$. Geraes. 1$’.
Quem seria esse maestro E. Boni? Quanto à Avenida 13 de Maio, é a atual Getúlio Vargas. Além dessa entrada, a fachada mesmo do prédio ficava de frente para a lateral do Cine Theatro Alcazar, ex-Julieta, depois Guarany, que passara a se chamar Alcazar em 17 de fevereiro de 1912.
Ainda que a arte cinematográfica estivesse em seu início, chama a atenção no anúncio do JC a quantidade de produtoras, então chamadas de fábricas, das quais o Polytheama dizia que iria receber suas fitas: Cines, Pasquali, Milano-Film, Savois, Aquila, Gaumont, Pathé Fréres, Witagraph, Biograph, Edison, Lubin, Wild-West, Essanay, Pharos Bioscop, Muloscop, Nordisk, Ambrosio, Itala, Eclair, Philips, e fecha com um etc. Encerra com ‘A Empresa tem contractos que lhe asseguram o recebimento de 30.000 metros mensaes’, metros de filmes, com certeza.
As sereias e suas harpas
Ed Lincon lembrou que num dos escritos do historiador Mário Ypiranga Monteiro, ele dizia que o prédio havia sido construído sobre uma estrutura de ferro em forma de ponte por causa da força do igarapé, depois aterrado para a construção da atual avenida Getúlio Vargas.
“O prédio foi construído pela empresa do português Joaquim Nicolau Garcia e, na inauguração, os operários ganharam entrada grátis”, revelou.
“Bem na esquina ficava o bonito prédio do Café Real Color, depois Bar Normal. Ele se situava onde hoje está a Lojas Americanas e foi totalmente descaracterizado conforme mostram as fotos da época”, disse.
Um detalhe que sempre chamou a atenção do prédio, e está lá até hoje, são as sereias segurando harpas.
“Diziam que era para espantar as visagens que habitavam o lugar e isso acabou virando uma lenda urbana, hoje esquecida”, falou.
Ed lembrou que até 1977, projetores e cadeiras ficaram dentro do prédio, quando a Moto Importadora o comprou e o transformou numa loja Credilar, colocando uma estrutura de ferro que escondeu as sereias.
“Em 1984 o Banco Auxiliar de São Paulo adquiriu o prédio da esquina e o do Polytheama, tirando a estrutura de ferro e deixando as sereias à mostra, novamente, além de manter a fachada original do antigo cinema. Hoje tudo é ocupado pelas Lojas Americanas”, informou.
Apesar de ser uma das salas de cinema mais frequentadas de Manaus, por 61 anos, Ed Lincon diz nunca ter visto uma foto interna do prédio.
Fonte de Pesquisa
JORNAL DO COMMERCIO | EVALDO FERREIRA
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