A polêmica histórica sobre o aniversário de Manaus em 24 outubro: é ou não?
Todo ano no “aniversário” da cidade lá vem polêmica, igual à da “UFAM centenária” e, especialmente, entre os historiadores.
Como sou um historiador “new school” e não convencional, dada a minha formação multidisciplinar e holística, vejo as coisas de forma um pouco diferente.
Entendo que só a técnica histórica não dá conta de definir a idade de um lugar. É preciso considerar outros pontos, como as noções de lugar vindas da geografia, por exemplo. O grande geógrafo Milton Santos dedica um tópico todo a essa discussão chamado “A idade de um lugar” (pag. 56-59) no livro “A natureza do espaço”. Basicamente ele nos diz que a idade de um lugar não tem como critério válido único, a sua data de fundação de acordo com o levantado pela técnica histórica convencional. O lugar pode ser definido inclusive pela sua história natural e pelas diversas técnicas utilizadas nos processos de ocupação humana como a produção, comunicação, controle, política, sociabilidade e subjetividade.
Isso fica claro na seguinte passagem: “É o lugar que atribui às técnicas o princípio de realidade histórica, relativizando o seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica”.
A polêmica se dá porque vários eventos se misturam. No caso de Manaus, a idade é contada a partir da suposta instalação da fortificação portuguesa em 1669 (352 anos atrás) e da interação com as ocupações indígenas no seu entorno. Mas há quem defenda com fontes que na realidade essa não é a idade da fortificação, mas de um marco deixado na passagem de uma tropa de resgate 20 anos antes.
Nesse ínterim o “Lugar da Barra” foi inclusive sede da capitania de S. José do Rio Negro (1791). A condição de vila só é reconhecida em 1832 (189 anos atrás) com o nome de Vila de Manaós. Já a data de aniversário utilizada hoje é a da elevação da então Vila ao status de cidade, trocando de nome para cidade da Barra do Rio Negro em 1848 (173 anos atrás). A cidade volta a assumir o mesmo nome (com alteração no acento) da antiga vila e passa se chamar Manáos em 1856 (165 anos atrás), e tem alterada para a grafia atual Manaus, em 1937 (vide “Manaós, Manáos e Manaus: Como se escreveu o nome da cidade ao longo do tempo“, de Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa)
Não fui a fontes primárias para saber se, de fato, a data de 24 de outubro de 1848 reflete a elevação ao status de cidade, mas acho difícil ter resistido tanto tempo ao arrepio de historiadores com acesso a elas. Isso, porém, realmente não é o que importa, mas sim o costume (vide Hobsbawm, “A Invenção da Tradição”). Não sei qual data era a referência de “idade do lugar” antes de 1848, mas é razoável entender que a data comemorativa do lugar ( pelo menos nos últimos 173 anos) se tornou um costume, e não será modificada tão facilmente, assim como a noção popular de que a cidade e o lugar são a mesma coisa… .
Numa perspectiva meramente tempo/política, a técnica histórica tradicional faz um monte de “caixinhas” para a história da cidade, já em uma perspectiva menos ortodoxa e mais interdisciplinar, a história do lugar que hoje chamamos Manaus é um “continuum” e cujos registros remontam a 352 anos.
Portanto, mesmo que a data de fundação “real” do nosso lugar não seja de fato 24 de outubro, assim como o natal não seria 25 de dezembro, PARABÉNS Manaus dos meus amores e das minha paixões!
A imagem que ilustra este artigo é de autoria de Albert Frisch, feita em Manaus no ano de 1867, mostra imigrantes bolivianos na orla do rio Negro e foi colorizada por Alberto César Araújo em 2021.
Fonte de Pesquisa
AMAZÔNIA REAL.COM
por Juarez Silva Jr
Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.
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