Nathan Xavier de Albuquerque, o inventor do motor rabeta, cada vez mais popular na locomoção do caboclo, um dos participantes da elaboração do Decreto Lei 288, que criou a Zona Franca de Manaus, dono da Moto Importadora, sócio da Moto Honda e do Novotel, entre outras mais de 20 empresas, fomentador de 20 mil empregos na cidade da década de 1970 faleceu aos 90 anos (nasceu a 6 de agosto de 1922), dia 1º de janeiro, no Rio de Janeiro, onde morava desde 1984. “Soube hoje que o Nathan Xavier de Albuquerque faleceu dia 1º. Estou abismado. Não houve nenhuma repercussão em Manaus”, dizia um perplexo advogado Felix Valois Coelho, sexta-feira (03/01).
Felix tem razão. Nathan esteve para o período moderno como IB Sabbá, o fundador da Refinaria de Manaus, e JG de Araújo, o homem que dominou da borracha ao comércio, passando pela pecuária, transformando-se em mecenas das artes – o cineasta Silvino Santos veio para cá contratado por ele – do Amazonas de seu tempo. “Acho que ele foi até maior que os dois porque dominou os segmentos da indústria e do comércio. A Moto Importadora só não vendia armarinho, mas chegou a vender até aeronaves”, afirma Geraldo Dantas Araújo Filho, 56 anos, cujo pai, Geraldo Dantas, foi sócio de Nathan por 40 anos, até 1982.
Visionário, autodidata, Nathan Xavier de Albuquerque falava e escrevia em inglês, francês, japonês, italiano e alemão. Estudou formalmente apenas até o antigo curso ginasial, mas escreveu modelos de motores para os seus barcos, fazia cálculos complexos e estabeleceu, na Moto Importadora, um manual detalhado de procedimentos que se tornou uma espécie de matriz dos ISOs hoje em voga. Seu irmão, ainda vivo, é o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Xavier de Albuquerque, o “Xavico”.
A esposa dele, Mundita Xavier de Albuquerque, irmã do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam) João de Mendonça Furtado, morreu há dois meses. O empresário, outra vez, se acabrunhou, até o infarto fatal do dia 1º.
Nathan, enfim, participou de tantos momentos importantes que, a seguir, fazemos uma pequena lista de alguns dos mais relevantes:
Zona Franca de Manaus
Quando o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco e o ministro da Economia Roberto Campos estavam gestando o Decreto-Lei 288, a matriz da Zona Franca de Manaus, que seria editado em fevereiro de 1967, ele reunia empresários amazonenses para discutir os termos do documento, no balneário da Ponte da Bolívia, então um ponto muito afastado da cidade, em busca de discrição. E foi um dos principais fomentadores do Decreto, que discutiu em diversas audiências com o presidente da República e seu famoso ministro.
Indústrias
“As multinacionais, no começo da Zona Franca, tinham muito receio de entrar aqui, sem um sócio que conhecesse o local e dividisse as responsabilidades da operação. Foi assim que a Mitsubishi se associou com Leo Cris, da Evadin; a Toshiba com Affonso Brandão, da Semp; e a Honda com a Moto Importadora, recebendo o nome de Moto Honda”, explica o economista Rodemarck Castelo Branco, que também conheceu Nathan.
As sociedades se estabeleceram com mais de 20 empresas. Além da Moto Honda havia a Hévea da Amazônia, que depois virou Multibras e Masa da Amazônia, o Novotel, a Seiko e a CrowCorn, entre tantas outras. “Ele saiu do comércio e entrou em ramos mais complexos, como os de motocicletas, componentes, hotel e alta tecnologia. Foi o primeiro empresário local a compreender o significado e o alcance da Zona Franca”, acrescenta Rodemarck.
Motor rabeta
Lá pelos anos 1930 ou 1940, Nathan, segundo Geraldinho Dantas, pegou um motor estacionário e colocou eixo e hélice nele, usando-o para movimentar as pequenas canoas dos ribeirinhos. Estava inventado o motor rabeta, hoje amplamente difundido entre os ribeirinhos. “O mesmo motor servia como bomba d’água, gerador e para moer a mandioca, tirando o tucupi, a goma e os outros produtos”, conta Geraldo. Era parte do envolvimento do empresário com o caboclo, que ele conhecia de perto devido à paixão pelas pescarias.
O rabeta acelerou a locomoção do ribeirinho, que antes sofria tendo só o remo como alternativa de propulsão, e, além de tudo, é barato, consome pouquíssimo combustível e pode ser usado em qualquer filete d’água, ajudando a enfrentar as secas severas da região. Ainda hoje, passados mais de 70 anos, o modelo permanece o mesmo criado por Nathan.
Moto Importadora
O Grupo Moto Importadora se desenvolveu em todos os segmentos do comércio com as lojas Credilar. Vendia material elétrico, de construção, joias, roupas, material de cozinha, eletroeletrônico, fotográfico e relógios, tendo na vitrine marcas luxuosas, como Audemars Piquet e Patek Philippe, ainda hoje difíceis de encontrar em Manaus. “O grupo vendia até aeronave”, diz Geraldo.
Entrou no ramo de automóvel, como dono da Imesa, revendedor da Ford, empresa comprada do (governador) Gilberto Mestrinho, que transformou na maior revendedora de automóveis do Norte do País. As instalações ocupavam o quarteirão que fica em frente ao hospital Eduardo Ribeiro e ao Hemoam, próximo ao estádio Vivaldo Lima.
A Moto Importadora tinha 28 lojas de departamento. A Credilar Teatro, na esquina da Eduardo Ribeiro com José Clemente, foi projetada pelo arquiteto Severiano Porto e recebeu diversos prêmios nacionais de arquitetura. O prédio, gigantesco, todo em madeira de lei, com cada peça identificada, foi descaracterizado pela Caixa Econômica Federal, que tem uma agência no local. Todas as lojas do grupo tinham acima de 3 mil metros quadrados.
No auge, a empresa ofereceu 15 mil empregos. Na vertente da construção civil, o Departamento de Engenharia (Denge), contratava mais 5 mil diaristas. Numa época em que não havia tanta insegurança, a Moto Importadora criou sua segurança própria, com mais de 500 homens, comandados por vários coronéis da PM aposentados, conhecidos pelo uniforme de calça azul escuro e camisa azul claro.
Informatização
Hoje, qualquer empresa que se queira considerar minimamente moderna precisa de informatização. A Moto Importadora foi pioneira nisso também. Nathan adquiriu um gigantesco computador IBM System/360 (S/360), altíssima tecnologia para o final da década de 1960, do tamanho de uma sala, com mais de 10 metros de comprimento. Era o único do Amazonas e um dos raros do Brasil.
Terminal pesqueiro
Fundou a Friopesca. Manaus ainda hoje discute a instalação de um terminal pesqueiro. Essa empresa, estabelecida sobre uma balsa de madeira e outra de ferro, conseguia receber e armazenar grandes quantidades de pescado, acoplada a uma fábrica de gelo.
A balsa de madeira afundou e Nathan construiu, na área onde hoje existe a avenida Manaus Moderna, em frente à Ilha de Monte Cristo, que lhe pertencia, uma balsa de concreto, que existe até hoje, com 30 metros de largura, 30 de comprimento e 14 de altura. “Essa balsa talvez seja a única de concreto que flutua (risos). Eu a comprei, mas acabei por desativá-la quando os criatórios de peixe tomaram conta do mercado”, conta Geraldo Dantas.
Guaraná Baré
Comprou a fábrica de guaraná Baré, que transformou na Cervejaria Amazonas (Cerman), fabricante da cerveja Skol, que depois se tornou Antarctica e hoje é a Ambev. Foi, na época, a fábrica de refrigerantes mais moderna do Brasil. Desde a lavagem da garrafa, ao processo de enchimento com gás, xarope e líquido, até o selo com o rótulo, tudo era automático, mesmo o momento em que as garrafas entravam nas grades. A distribuição era feita para todo o interior, por barcos, exceção de Itacoatiara e Manacapuru, que recebiam os produtos pelas então ainda mais precárias estradas AM-010 e AM-070.
Fez uma fábrica de gás que atendia à fábrica Baré e aos concorrentes. Concorria com os guaranás Luzeia, Andrade e Magistral, fazendo do Baré o líder do mercado. Vendia mais que a Coca-Cola, quando a fábrica da empresa se instalou em Manaus.
Barcos
Apaixonado por pescarias, Nathan era também apaixonado por barcos. O barco Niel, nome que era uma homenagem ao filho dele, Nathaniel, sobre quem falaremos a seguir, construído no início dos anos 1970, media 27 metros, era todo de madeira e tinha dois motores fabricados sob desenho dele. A embarcação tinha um moderno processo de filtragem que tornava a água do rio potável, num tempo em que ninguém ainda falava em ecologia.
ISO 9000
A Moto Importadora tinha um livro com Normas e Diretrizes de Serviço (NDS). “A rádio peão chamava de ‘Nem Deus Sabe’. Ele determinava como atender o caboclo, que trazia o motor para consertar, explicando o orçamento do serviço, o aviso para a pessoa do preço, envio para a oficina e devolução. Tinha um capítulo de ‘entrega de mercadoria’, onde estava detalhado até o manuseio de uma caixa de louça, uma geladeira ou uma TV”, revela Geraldo Dantas.
A padronização de serviço virou uma mania na década de 1990 sob a sigla ISO. Nathan foi um pioneiro também nesse aspecto. Só faltou criar o nome.
Morte de Nathaniel
“O ‘seo’ Nathan morreu com o filho”, afirma o empresário Belmiro Vianez Filho, amigo pessoal de Nathaniel Lemos Xavier de Albuquerque, o Niel, piloto de avião, filho mais velho de Nathan e parceiro em seus negócios.
Nathaniel tinha a própria aeronave, que usava para transportar turistas. No dia 29 de agosto de 1976 tinha um voo marcado com um grupo deles e saiu de casa às 6h. Ao dobrar a esquina da Torquato Tapajós, em direção ao aeroporto Eduardo Gomes, o moderno Maverick que dirigia foi atingido em cheio por um caminhão que vinha pela estrada. Morreu na hora.
Nathan, desde aquele dia, nunca mais foi o mesmo. Ainda assim, imerso na tristeza, os negócios não pararam. No dia 1º de setembro daquele ano ocorreu a inauguração da Moto Honda e surgiram outros grandes empreendimentos, como a parceria com os franceses do Novotel. “Ele se recolheu do mundo e se voltou só para o trabalho. Continuou ganhando muito dinheiro e desenvolvendo projetos”, diz Dantas.
A partir de 1982, quando desfez a sociedade com Geraldo Dantas, o pai, Nathan fechou loja a loja, vendeu cada indústria e mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1984. Não ficou devendo nada à cidade. Vinha a Manaus incógnito, a partir daí, para pescar com o ex-sócio e Valdomiro Lustosa, até os anos 90.
No Rio, fundou a Moto Participações e Negócios Ltda. De seu escritório, na rua Visconde de Pirajá, 547, 8º andar, em Ipanema, passou a acompanhar o movimento das bolsas, onde era grande investidor. Aplicou também parte do capital na construção de galpões, cujos alugueis garantiam uma polpuda renda. Várias fontes disseram ao blog que ele estava mais rico ao falecer, dono de uma fortuna avaliada em bilhões.
Obtive o telefone do trabalho de Nathan Xavier de Albuquerque, trabalhando no jornal “O Estado do Amazonas” e depois no “Amazonas em Tempo”. Recebi a missão de entrevistá-lo. Liguei, fui atendido, conversamos longamente. Estava lúcido, tranquilo e muito cortês. Mas não aceitou dar entrevista. “Meu filho, me sinto muito honrado pela distinção que você me faz, mas optei por não dar entrevistas, embora tenha muitas saudades de tudo no Amazonas”, disse-me.
O único herdeiro, Anchises Furtado Xavier de Albuquerque, o Kiko, que mora em Miami (EUA), recebeu as condolências do governador Omar Aziz. “Vamos homenagear seu pai, em breve, em uma obra do Governo do Estado”, disse o governador.
Livros Nathan
desenvolveu o hobby de escrever livros, a maioria poemas falando da saudade do filho. E procurou ser solidário com quem passou por drama semelhante.
Fonte de Pesquisa: PORTAL MARCOS SANTOS
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